24/02/2011

Da ditadura à democracia

DA DITADURA À DEMOCRACIA



Passava-se o ano de 1977. A Universidade de Brasília sofria a intervenção do reitor Azevedo, representante do regime militar. que ordenara a presença de tropas de choque no interior do campus. Mais absurdamente ainda, soldados vestidos de preto e armados bordeavam os corredores e as saídas de salas de aula. Tudo era vigiado. O aluno que pronunciasse alguma palavra contra o regime militar ou mesmo contra o imperialismo americano e a condição de quintal político do Brasil poderia ser preso e torturado. Eu tinha 16 anos e já era aluno da UnB. Minha mente se incensava com tantas idéias efervescentes e a coragem daqueles alunos, que discursavam em corredores e distribuiam panfletos. Muitos deles desapareceram e voltaram anos depois, com sequelas do sofrimento e das torturas nos porões do DOPS. Honestino Guimarães, símbolo da luta contra a repressão e aluno da UnB não teve a mesma sorte e faleceu no cativeiro.

A juventude sempre foi, é e será a semente das grandes mudanças. Nos poucos momentos em que a juventude brasileira foi às ruas, como no movimento das Diretas Já ou do Fora Collor, algo marcante aconteceu na história do país. O que vemos hoje na rígida sociedade árabe é a tomada da cena política pela juventude. Várias ditaduras familiares, religiosas e militares estão caindo, enquanto outras estão com os dias contados. É sempre assim, quando o jovem assume a liderança. Toda uma enorme multidão de adultos e velhos, frustrados e conformados com anos de humilhação os seguem e a verdadeira revolução acontece. Foi assim na queda do comunismo russo e do Muro de Berlim.

Na minha juventude tinhamos os livros de cabeceira dos autores envolvidos com a mudança: Darcy Ribeiro, Gilberto Freire e Karl Marx eram leituras obrigatórias para estar dentro do movimento estudantil. Mas esta nova e potente revolução que percebemos no mundo árabe tem uma nova referencia. Chama-se Da Ditadura à Democracia - Um guia conceitual para a libertação, livro do cientista político americano Gene Sharp, de apenas 93 páginas, e que está por trás de toda a revolução árabe.

Este livro traz informações valiosas de como uma sociedade inteira, em rede, sem a necessidade de uma liderança e através de atuação pacífica pode mudar o curso da história de seus países. O grande inspirador deste livro e deste movimento mundial chama-se Ghandi, o Mahatma que libertou a Índia do colonialismo inglês através da resistência pacífica. So que agora foram as redes sociais e a internet como um todo que se tornaram panfletos, que correm à velocidade da luz.

A história de Ghandi sempre me comoveu, e muito me comove agora o que acontece no mundo árabe. Eles estão de fato, dando um salto histórico, das ditaduras à democracia. Mas quero terminar esta análise fazendo uma pergunta aos leitores. De que ditadura nós aqui no Brasil, ainda temos que nos libertar? A democracia de nosso país, com bases governamentais sólidas e amadurecimento político da nossa população é uma meta atingida? O que instigaria os jovens e uma mudança radical, nos moldes árabes?

Eu tenho estas respostas. A ditadura atual é econômica e intelectual, responde ao interesse de corporações multinacionais bilionárias, está infiltrada no currículo das melhores universidades do país, que ensinam graves distorções como verdades estabelecidas.

Quero que o leitor, principalmente o jovem leitor, se pergunte: será que teremos que repetir o refrão "ainda somos os mesmos e vivemos como nossos pais?". Será que nossa natureza é viver até uma certa idade, depois degenerar nossa saúde e tornarmo-nos inválidos? Será que o alimento que consumimos foi produzido de maneira adequada e está livre de venenos químicos? Será que as políticas públicas de saúde estão direcionadas para a solução da saúde do brasileiro ou apenas para a manutenção da doença? Perguntem-se. Entrem nas redes sociais. Procurem saber o que é a Revolução da Colher. Vejam os movimentos em andamento, pela proteção dos animais, pela cultura orgânica e pela reversão da catástrofe ambiental anunciada em nosso planeta.

ALLEZ LES JEUNES!

Alberto P. Gonzalez, médico
Alameda Araguaia, 1293, cj 304
Alphaville - São Paulo BRASIL
Tel. (11) 4195 4546 / 4500

14/02/2011

Moleque

MOLEQUE

Meu pai é gaúcho e minha mãe carioca. O encontro dos dois gerou quatro filhos e uma infância encantada na antiga zona rural do Rio de Janeiro. Embora estudasse em bons colégios na cidade, todo fim de semana tinha uma vida exclusivamente rural.

Entre os hábitos da família, provavelmente de origem do meu pai, tínhamos um porco em um chiqueiro. Ele ficava deitado e tranqüilo o dia inteiro. Quem cuidava dele era o seu Constâncio durante a semana, mas no fim de semana cabia aos meninos (eu e meu irmão Ricardo) levar o balde de “lavagem” e limpar os excrementos do animal.

Seu Constâncio o batizou Moleque, e eu divertia-me sozinho vendo ele, sem a menor cerimônia comer toda aquela comida fermentada, cascas de melancia, sabugo de milho, arroz e feijão e todas as sobras imagináveis. As orelhas balançavam, o rabinho ficava rodando e ele ia ficando cada dia mais gordo. Quando ia limpar suas fezes com uma enxada, ele ficava mordendo o cabo da ferramenta, fazendo-me rir muito.

Num dia azul de abril acordei cedo e vi um barril de água sendo aquecido com fogo, havia uma prancha de madeira grande, várias facas e tijelas debaixo de um pé de siriguela.

Como toda criança, vivia em um mundo meio próximo do sonho. Mas a realidade estava chegando e gritava muito. Os gritos de um porco ao saber da morte iminente são muito parecidos aos de um homem. Existe um filme chamado “Paraiba Mulher Macho”, com Claudio Marzo no papel de João Pessoa e mostra este triste paralelo. Mas voltemos aos meus oito anos.

Moleque era puxado pelas orelhas. Havia uma pontezinha sobre uma vala e meu pai gritou que eu fosse ajudar. Como eu o obedecia, ajudei a empurrar o desesperado Moleque sobre a ponte. Aquilo me levou ainda mais perto da cena. Seu traseiro estava cheio de fezes, ele tremia e seus gritos eram tão tristes que estão em meus ouvidos até hoje. Meu pai e seu Constâncio gritavam muito, era uma agitação enorme.

Moleque lutava com todas as suas forças para sobreviver. Foi aí que o seu Constâncio, mostrando uma habilidade que eu desconhecia usou de uma marreta e afundou o crânio do bichinho. O som do osso se quebrando também posso me lembrar até hoje.

Ele foi jogado no pranchão, e voltou a gritar, mas meu pai atingiu precisamente a carótida, no pescoço, e um jorro impressionante de sangue lavou o chão. “Bacia, bacia!” gritou meu pai, sendo prontamente atendido.

Moleque gritava, o sangue jorrava, a bacia enchia em um ritmo declinante, de finalização da vida. Olhava seus olhinhos que perdiam a expressão tantas vezes amiga, tornando-se fixos. O ritmo de gritos e jorros foi diminuindo e cessou. Já havia visto outros abates, e sendo eu filho de gaúcho, era proibido de demonstrar emoções. Para não chorar o que eu fiz? “Pai deixa o coração para eu estudar?”

Enquanto eles pelavam, carneavam, desossavam e organizavam os pedaços do que fora um ser sensciente, eu procurava no meio das fibras e câmaras do coração de Moleque o que sobrava da nossa amizade. E ele foi tão humilde que me mostrou, naquele dia azul de um ido abril, o caminho de minha profissão.


Receita Torta Maravilha